Portugu�s fora da Europa� - Registos sonoros


Portugu�s fora da Europa - Registos Sonoros
(Grava��es do Grupo de Lingu�stica de Corpus do Centro de Lingu�stica da Universidade de Lisboa)
Bacelar do Nascimento, Maria Fernanda (org.), Portugu�s Falado: Documentos Aut�nticos (Grava��es audio com transcri��o alinhada). Lisboa: Centro de Lingu�stica da Universidade de Lisboa & Instituto Cam�es. 2001 [CD-ROM]


- vamos � conversa com o jovem Gaspar, com... um jovem de vinte e dois anos que em Luanda como outros jovens tem uma situa��o particular. muito cedo abandonou os familiares, por situa��es que ele pr�prio vai explicar.

�[...]

- por isso � que vamos saber tamb�m se trabalha.

-> sim, trabalho, n�o �, e � do meu trabalho que eu consigo sobreviver.

- �. o sal�rio satisfaz?

-> sim, sim. de facto. satisfaz.

- podemos saber quanto � que ganha?

-> duzentos d�lar, vamos assim dizer.

- e com duzentos d�lares � poss�vel fazer-se frente a tudo, eh, � vida, ao custo, e... como � poss�vel sair-se desta situa��o, assim, sem grandes problema?

-> bem, primeiro, � que eu vivo s�, n�o �, vivo s�, e, portanto, com... os duzentos d�lares que eu ganho eu consigo, pelo menos, eh, fazer as minhas compras e comer, n�o �, durante o, o, o m�s todo. durante trinta dias.

- � s� porque vive s� � que esta facilidade lhe est�, � porque, � s� porque vive s� � que tem esta facilidade?

-> sim, sim. � porque tenho essa facilidade. porque se fosse, se eu vivesse com mais algu�m acho que esse dinheiro, di[...], dinheiro n�o chegava. nem para mim, nem para a pessoa com quem eu vivesse e para o meu filho.

- [...] tamb�m falando um bocadinho das condi��es sociais, o Gaspar, por exemplo, tem � sua disposi��o um meio como um televisor, um, as suas condi��es, eh, em casa, tem meios que, que lhe sirvam para dizer que leva uma vida regular...

-> bem, em casa eu n�o tenho meios. eu n�o tenho esses meios, em casa.

- portanto, eh, conte-nos um bocadinho a sua experi�ncia desde sair da fam�lia e viver sozinho e mais ou menos equiparado aos outros jovens da r[...], de Angola.

-> bem, eu vou mesmo come�ar pela, pela minha fam�lia, n�o �, eu sa� de casa, d[...], aos treze anos e portanto comecei a dormir f[...], em casa dos amigos, n�o �, hoje dormia em casa de um, amanh� de outro, amanh� comia ali e assim sucessivamente, n�o �, inclusivamente, at� fui parar a um s�tio que, mesmo a� pr�ximo do Mar�al, n�o �, perante uns amigos bandidos que roubavam e fumavam liamba, roubavam as suas coisas e metiam ali, n�o �, ent�o eu vi, v[...], verifiquei que ali n�o era o s�tio ideal para mim, n�o �, ent�o fui trabalhando normalmente, primeiro fui trabalhar numa serra[...], serralharia, n�o �, e onde fiquei a� duas semanas e depois tive de sair dali e fui para a Feira N'Goma, n�o �, que � l� quando comecei a minha experi�ncia de hotelaria e tr�s meses depois fiz o curso de hotelaria, aprovei, n�o �, como um dos melhores empregados, e fui para o, o Afrodis�aco funcionar como empregado de mesa e depois passei para o Farol Velho durante cinco meses e agora continuo no, no Imoca, n�o �, a trabalhar, normalmente.

- e, Gaspar, porqu� ent�o ter-se afastado da fam�lia, algum motivo, e assim t�o cedo? eh, ser�, ter� havido alguma raz�o?

-> exacto. h� raz�es sim. porque, primeiro � que eu tive problemas mesmo com a fam�lia. sim tive problemas com a minha fam�lia, n�o �, e portanto a minha m�e faleceu muito cedo e de

[...]

-eh, ent�o depois de ter perdido a m�e, o que � que se deu?

-> sim, n�o �, a minha m�e era uma pessoa que teve muitos problemas com, com a m�e dela, n�o �, e depois dela ter morta, parece que o sofrimento dela toda recaiu sobre n�s, n�o �, a fam�lia parece que n�o queria responsabilizar-se de n�s, porque n�s somos tr�s, ent�o, est�vamos separadas, n�o �, uma estava num tio, outra estava numa prima e outra, e outro estava na av� que sou eu. s� que esta av�, portanto, n�o sei se ela gostou da minha pessoa ou n�o gostou, maltratava-me muito. ent�o foi a raz�o no qual eu tive de sair mesmo da minha fam�lia e arranjar um cantinho que � para mim poder viver sozinho trabalhar normalmente, para mim poder sobreviver.

- eh, nesta altura, quantos anos tinha?

-> bem, treze, treze anos, nessa altura.

- e aos treze anos lembra-se de algum drama, eh, como � que eram as noites, a sua sobreviv�ncia e como � que conseguiu at� hoje manter-se?

-> bem, eh, naquel[...], na[...], naquele tempo, portanto, como eu j� antes tivera dito, n�o �, eu dormia hoje aqui, amanh� ali, �s vezes, eh, portanto, dormia mesmo na rua assim ao ar livre. e mais tarde eu verifiquei que estava, estava, estava mesmo a caminhar muito mal, n�o �, estava que nem um menino de rua e no entanto eu tive de fazer o esfor�o, poder trabalhar um bocadinho para ver se conseguisse um tecto para mim, n�o �, e at� que eu consegui um tecto para mim viver.

- e hoje o Gaspar vive, eu j� visitei a sua casa e conhe�o mais ou menos e como � que conseguiu ent�o encontrar um espa�o?

-> bem, na altura, eu estava a trabalhar com um branco. esse branco confiou tanto em mim que, e, que disse que eu tinha que trabalhar ao lado, ao lado dele, eu tinha que ir viver ao lado, ao lado da casa dele. no entanto ele mandou-me procurar um quarto, e como eu j� tinha quatrocentos d�lares em casa, ent�o estava a andar com um amigo e este amigo come�ou a procurar o quarto para mim durante tr�s meses. e n�s conseguimos um quarto mesmo na Mutamba. [...]

- e qual � a sua maior aspira��o depois de ter conseguido ultrapassar com muitas dificuldades ao, ah, de ter-se triunfado na vida, digamos assim, com algumas dificuldades, qual � a maior aspira��o para o futuro que pensa realizar?

-> bem, a minha aspira��o nesse momento seria mesmo trabalhar na informa��o, porque eu... tenho o, o segundo ano de jornalismo, n�o �, apesar de n�o ter terminado, faltavam dois, e portanto, eu me esfor�o um bocadinho que � para ver se entro, portanto, na R�dio Luanda, ou em qualquer emissora que � para mim poder aprofundar um bocadinho a minha experi�ncia, porque eu sei na realidade que, acho que a minha, minha voca��o seria mesmo r�dio.

- �, portanto com esta voca��o, eh, pensa encontrar talvez algum caminho para... tirar ou para compensar alguma coisa que no fufu[...], no passado n�o teve, ou pensa com isto ajudar algumas pessoas que tenham experi�ncia parecida � sua?

-> n�o, ajudar, para as poder ajudar algumas, algumas pessoas que t�m que, portanto, praticamente est�o na minha situa��o, n�o �,

- de que maneira, mais ou menos?

-> eh, portanto, eh, eu, da forma em que eu vivi, n�o �, j� estando num, num, portanto, num �rg�o assim de informa��o, eu poderei comentar a minha vida a muitos daqueles que tamb�m vive a me[...], a mesma situa��o. portanto, eu n�o roubei, n�o �, e eu espero que muitos jovens tamb�m n�o roubam ao, ao, portanto, ao quererem recome�ar a vida, n�o �, ent�o, � essa a mensagem que eu pretendi e pretendo, pelo menos ainda, dar a conhecer �s pessoas, n�o �,

�[...]

- e Gaspar falou-nos um pouco de, da morte de sua m�e, n�o nos falou do pai, e em que situa��es � que isto aconteceu. conte-nos um bocadinho da sua situa��o familiar quando estava com o pai e m�e, como � que foi?

-> bem, quando eu era mais pequeno, mais pequeno ainda, digo mesmo, eh, eh, a, a, o pai e a m�e t[...], tamb�m tiveram muitos problemas, que eu ainda recordo uma luta de minha m�e e de meu pai. e d[...], ap�s a morte, portanto, o meu pai separou-nos e eu estou, h� quase vinte anos que n�o vejo o meu pai, e nem sei onde est� nesse momento.

- lembra-se de algum motivo, ter�, ter� sido alguma pessoa que bebia muito ou, n�o, n�o tem mais ou menos ideia de como era o pai, a figura que marca que tem?

-> bem, o meu pai � uma pessoa que bebia muito, de facto. bebia e depois at� fazia confus�o. eh, recordo-me, uma das vezes, ele bebeu e foi l� para casa de, de, dos meus av�s e... levou assim umas coisinhas para mim: cal��es, um par de, um par de sapato e, desde aquela data at� hoje, eu hoje n�o consigo ver o meu pai, e eu tenho certeza absoluta que se eu o ver na rua ainda posso esquecer dele.

�[...]

- eh, que receptividade � que voc� tem com a fam�lia, com a, a que esteve ligado, e que de uma certa maneira voc� tem reservas muito negativas?

-> bem, nesse momento eu n�o ligo � minha fam�lia. eu n�o estou, n�o, n�o, n�o, n�o, n�o dou assim mui[...], muito, muito bem com a minha fam�lia, n�o �, embora, embora eles me tirarem do s�tio onde estava, porque eu estava mesmo muito doente. mesmo j� em minha casa estava muito doente. e, portanto, foi a fam�lia que me pegou e levou-me ao hospital, fiquei tr�s meses l�, ent�o, eu tamb�m devo agradecer a essas pessoas. mas h� outras f[...], h� outros familiares que nem sequer queriam botar a m�o em cima de mim. essas pessoas ir�o pagar um dia.

- eh, ir�o pagar de que maneira? n�o pensa numa reconcilia��o, ou pensa retaliar pela mesma moeda?

-> bem, reconcilia��o, hum! reconcilia��o eu n�o digo, n�o �, porque at� agora abandalham-me. at� agora abandalham-me. prontos, tamb�m n�o vou sujar as minhas m�os de sangue, n�o �, mas irei utilizar uma vingan�a l�mpida, chamo assim.

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� Instituto Cam�es, 2002